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Da Imaginação à Realidade: D. Afonso Henriques

Da Imaginação à Realidade: D. Afonso Henriques
Reação dos fãs:
Vamos pôr a imaginação a funcionar... como seriam as casas de alguns dos antigos monarcas portugueses, hoje em dia?
Criado por: Ricardo Santos Silva em 01 / 06 / 2021
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Os filmes nascem da imaginação, figura metafórica que tanto faz pelo ser humano, uma personagem ganha contornos na imaginação do seu criador e só depois ganha vida no papel do guião e de seguida na rodagem ou desenho de um filme. Trazemos ao Filmes e Cenas uma série de artigos que nos propõem imaginar. Vamos imaginar como seriam as casas de alguns dos antigos monarcas do nosso país.
Um palácio feito moradia e uma garagem feita ginásio: assim seria a casa de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, em 2021
Às vezes não parece, mas reis e rainhas são gente (quase) como a gente. A crise entre Harry e Meghan Markle e a família real inglesa foi só mais uma prova disso. Os monarcas vivem num mundo paralelo, mas têm as dúvidas, os medos, os desejos e os gostos de qualquer ser humano.
Tanto a governação como a personalidade dos monarcas são marcadas pelo momento histórico que tiveram a sorte ou o azar de enfrentar. E se todas as casas refletem a personalidade de quem lá vive, com os reis e as rainhas não é diferente. É isso que queremos mostrar numa série de quatro artigos, em que percorremos a história de vida de outros tantos monarcas portugueses e imaginamos como seriam as suas casas e palácios se tivessem nascido uns séculos mais tarde. Escolhemos três reis e uma rainha, que viveram em períodos bem diferentes, para termos as doses certas e equilibradas de poder, importância histórica, coragem, superação, traição e gritaria. São eles: D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, D. Dinis, o primeiro a não ter de se preocupar tanto com a guerra, D. João V, o primeiro a receber o ouro vindo do Brasil, e D. Maria II, a primeira (e única!) mulher a governar o país com uma constituição.
Criado pelo Imovirtual, cada detalhe e objeto de decoração nas imagens representa um traço de personalidade, uma tara ou mania dos reis. É como um Big Brother da família real, em que eles não nos veem, mas nós estamos sempre a espreitar pelo buraco da fechadura. Vamos a isso:
D. AFONSO HENRIQUES: O guerreiro das pernas finas
É o primeiro rei de Portugal, o mais conhecido entre os conhecidos, o nome que vem logo à cabeça de qualquer português sempre que se fala em monarquia. O “Pai da Pátria”, “Rei dos Portugueses”, o homem que ninguém sabe bem quando e como nasceu, mas de quem todos conhecem o legado: a criação de um país no ponto mais ocidental da Europa.
Mas quem era, afinal, esse tal Afonso Henriques? Que personalidade se escondia por trás das armaduras de ferro? E como é que essa personalidade seria se o rei tivesse nascido uns séculos mais tarde?
Ouvimos o investigador e historiador João Ferreira, autor de vários livros sobre a monarquia portuguesa, para tentar imaginar onde e como gostaria de viver em 2021 esta figura tão afamada e desconhecida ao mesmo tempo. O Imovirtual fez o resto, imaginando a casa, os objetos, os detalhes. Este artigo faz parte de uma série maior, que inclui outros três monarcas marcantes da história de Portugal, e até do Brasil: D. Dinis, D. João V e D. Maria II (essa mesmo, nascida lá no Rio de Janeiro).
A tarefa com D. Afonso Henriques não é simples. Se todas as histórias se vestem de lendas, crenças e mitologias, a vida deste rei está ainda mais cheia delas. A começar pelos dias depois de ter nascido.
Conta-se que o menino Afonso brotou “muito fraquinho” do ventre da mãe, D. Teresa de Leão. “Tinha as pernas tortas, coladas, empecidas, como se dizia na altura”, explica o historiador João Ferreira. Ora, “um bebé que nascesse assim nunca poderia andar a cavalo, o que fez com que D. Teresa e o conde D. Henrique [de Borgonha, o pai] chorassem e rezassem muito”. No Portugal medieval daquela época, não havia mal que a religião e a fé não resolvessem.
Os pais decidiram pedir ajuda ao aio Egas Moniz, “guerreiro muito respeitado”, que levou o menino com orações e promessas à Nossa Senhora de Cárquere, em Resende, não muito longe do lugar onde Afonso Henriques nasceu (tema polémico, já lá vamos).
Certo é que, quando voltou para os pais, na casa-castelo onde viviam em Guimarães, Afonso Henriques veio “um menino ótimo, saudável”, que em breve cresceria e se tornaria “um matagão, capaz de manejar enormes e pesadas armas”. Onde está então o mito? “Diz-se que o menino pode ter sido trocado”, confidencia João Ferreira.
A devoção de Egas Moniz a D. Afonso Henriques ao longo da vida foi tão grande que se adensou a desconfiança de que aquele fosse, afinal, o seu filho biológico, e que, na verdade, Egas Moniz tenha ficado com o rebento dos condes, o tal das pernas tortas, para evitar problemas à família.
Com ou sem trocas no berço, com ou sem intervenção divina, a força, a coragem e a bravura marcaram a vida e o reinado de D. Afonso Henriques. De outra forma não poderia ser: na Europa do século XII, só chegava a chefe militar quem reunisse todas essas características. E D. Afonso Henriques foi um dos mais destacados chefes militares da época.
Entre as várias batalhas, destacam-se os momentos em que as suas tropas cercaram duas cidades — um resultou em vitória, o outro nem tanto:
Cerco de Lisboa. Aconteceu em 1147 e significou a reconquista cristã da Península Ibérica aos mouros. Graças a essa vitória, Afonso Henriques passou a ter um amor especial pelo Castelo de São Jorge, na capital. “Foi uma acção militar muito importante, quer do ponto de vista político e diplomático, quer logístico, que durou semanas e contou com a participação do numeroso exército internacional de participantes na 2ª Cruzada, que o `lobby` diplomático convenceu a combater em Portugal antes de seguirem viagem para a Terra Santa”, detalha João Ferreira.
Cerco de Badajoz. Já mais velho, em 1169, D. Afonso Henriques entra por Badajoz para conquistar o coração da Andaluzia, mas pouco tempo depois, as tropas portuguesas são cercadas. O rei ordena a retirada e, no momento em que foge, cai do cavalo, batendo com a perna direita (que a lenda também diz que era a perna fraca do rei) e é apanhado pelas tropas de Fernando II de Leão, seu genro (tinha casado com D. Urraca, filha de Afonso Henriques). Para sair dessa, D. Afonso Henriques teve de restituir as praças conquistadas aos leoneses, Trujillo, Cáceres e Montánchez. Foi o princípio do fim de um dos maiores militares do seu tempo.
Além das batalhas físicas, há uma batalha narrativa e histórica com séculos de existência: onde nasceu Afonso Henriques? A historiografia tradicional foi sempre apontando Guimarães como berço da pátria e do próprio Afonso, mas a contemporânea, confirmada nos anos mais recentes pelo trabalho do reputado historiador José Mattoso, dizem que o local de nascimento poderá ter sido Viseu. João Ferreira arruma a polémica assim: “Afonso Henriques é certamente um minhoto de Guimarães ou um beirão de Viseu”.
No seu enorme peito cabem duas cidades. Porém, a primeira é a que ocupa mais espaço. Se fosse hoje, Afonso Henriques não seria rei, mas também não teria dúvidas em regressar ao castelo da sua vida e ter uma morada com paredes de pedra no centro de Guimarães. Não seria estranho vê-lo a exercitar o corpo na muralha ou a organizar maratonas com passagem pelos principais espaços da cidade, como o Largo da Oliveira, sem medo de ser notado (é, ele também teria lá o seu ego). Mais difícil seria ver o rapazinho das pernas finas de copo da mão numa discoteca. Afonso Henriques é um homem ocupado, sem tempo a perder e sem calorias a mais para queimar.